A luz tentava furiosamente invadir o quarto; com astúcia a velha cortina de feltro impedia que o quarto iluminasse. Mas logo um feixe de luz oriundo de um buraco milimétrico; com precisão cirúrgica acertara em cheio a retina do olho direito de Marcos. Um murmuro ouviu-se no recinto, algo que se fosse traduzido de sua língua primitiva,matinal e etílica seria certamente indicio de uma diabólica...ressaca.
Os pés em couro tocaram o chão e dele receberam uma fria recepção(mais grunhidos são ouvidos). O trajeto até o banheiro era penoso, lembranças da noite anterior alvejaram o cérebro de Marcos e como flechas venenosas contaminaram seu consciente. Tombos, vômito ,álcool , tudo vindo de encontro com o presente, cenas aterradoras e vergonhosas. A torneira se abriu, água no rosto, pasta na escova e aquilo que um dia foi comida repousava em uma marola contida pela louça marfim, mas jatos ferozes de água despacharam aquela figura castanha para longínquas tubulações . Parecia que tudo estava começando a acontecer, a velocidade em que marcos abriu a geladeira só não foi maior que o vácuo que saiu desta. O estomago humano precisa de comida ainda mais um estomago que foi solicitado tantas vezes para verter tão ferozmente as refeições passadas.
O que fazer agora? Sem dignidade e memória um homem pode viver, mas sem uma refeição decente pra curar a ressaca não dá! Uma procura incessante havia começado naquele apartamento, calças e bermudas voaram, todas com seus bolsos devassados, mas nada sequer um níquel apareceu. As opções estavam escassas, sem dinheiro, sem comida e quase sem memória ele sabia como agir. Nesse estado ele fez aquilo que qualquer jovem universitário pseudo intelectual circundado de ideais faria... Ligou para sua mãe.
- Alô, mãe?
- Oi meu filho, que voz é essa? Gripe?
- Não acabei de acordar, ein tu depositates aquela grana que te pedi... Pra aquele seminário e tal?
- A eu vou bem meu filho, também sinto saudades...
- Ah desculpe, mãe... Tudo bem por aí o pai ta bem ? E a Maria?
- Hehe desculpado... Tudo bem sim teu pai ta lá fora, agora deu pra insistir que tem uma fuinha destruindo o quintal, ta lá de bunda pra cima espalhando veneno pra tudo que é lado... a Maria tá experimentando o vestido pro debut dela, tu vem né?
- Vou sim , mas ein sobre aquele dinheiro...
- Ah sim, depositei pra ti hj pela manha.
- Obrigado mãe, muito obrigado te amo bjo depois te ligo...
- De nada, tbm te amo...alo, alo, não deveria ter dito tão cedo que tinha depositado.
Nosso intrépido e prosaico guerreiro já tinha as informações que precisava então ele se vestiu com agilidade chinesa e se pôs em direção ao banco onde, onde sua glória de papel o aguardava. O sol foi contido pelas lentes duvidosas dos óculos “Ray bamm”,( Sim dois “m” a origem do óculos também é duvidosa) os passos eram rápidos e decididos, o Banco estava perto , só mais algumas quadras talvez duas... os pensamentos eram os melhores, não tão melhores quanto a parede de ar frio que nocauteou marcos no momento em que ele abriu a porta da agencia bancária sua vontade era de ter ficado ali estático por uns mil anos, apenas apreciando a função daquela magnífica invenção do homem, mas a fome é maior que qualquer devaneio e numa fração de segundos o cartão foi introduzido na fenda da maquina, mas a leitura magnética não ocorreu então repetidamente o ato de tirar e por seguiu-se até que finalmente o dinheiro saiu, faltou apenas a maquina "suspirar e ascender um cigarro".
Com o dinheiro em mãos, e roncos no estomago ele não pensou meia vez. Correu direto para a primeira birosca que achou, perguntou o que tinha para comer, a resposta foi a de que como já eram 15:00, apenas lanches estavam disponíveis, um xis completo foi ordenado acompanhado da coca-cola mais gelada do condado e ali ele ficou, e esperou com uma paciência sacerdotal, sua merecida refeição.
Reza a lenda que no exato momento em que chegou o lanche e o refri, estes foram devorados com tanta gana, que até hoje a sombra do prato,do copo e de marcos permanecem lá, suas siluetas eternizadas pela velocidade impiedosa dos dias.