sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Causo do Adão Flores

Dois irmãos tropeiam uma ponta de gado, quando se deparam com um ar de chuva:
- Aperta o passo mano velho, que pelo jeito vai dar temporal.

- Não te assusta que o Tio Dão tá com a gente.

- Mas que diabo é isso?

- Me foi contada pelo vô Otero, e agora te passo com detalhes:
Adão Flores cresceu trabalhando com o pai na chácara da família, na costa do mato do Rio Uruguai. Oitavo mais velho entre doze irmãos, sempre destacou-se quando estava sobre o lombo do cavalo. Cancha reta, gineteada e laço em rodeio sempre correram em direção oposta à Adão. "Isso é coisa de se fazer no trabalho, não em brincadeira", costumava afirmar.
Com o tempo, ajustou-se de caseiro e logo em seguida sobrou uma vaga de peão campeiro na estância dos Fagundes, capitaneada por Dom Serafim que, segundo ele, era o melhor dos patrões. Desempenhava com notável destreza suas funções, sendo tratado pela vizinhança como exemplo ímpar de homem do campo.
- Tio Dão, dê uma olhada ligeira no rebanho do fundo, pois é sexta-feira e tu mereces uma folga. - ordenou Dom Serafim.
- Pode deixar patrão! E gracias pela folga. - respondeu o gaúcho.
Numa tarde costumeira, dessas de recorrer o gado sem muita rigidez, do alto da coxilha, Tio Dão não tinha com o que se preocupar. O gateado ruano marchava a trote, enquanto o palheiro era fechado com uma mão só, perícia de poucos.
E então de um nimbo, junto com a chuva de setembro, desceram encarnados em sua frente lotes de índios, talvez da tribo guarani que habitou a região missioneira em seus antepassados, altamente armados em cima de cavalos imponentes e de pelo fino. Adão engoliu a fumaça no susto, e deu de mão na adaga que era cativa na guaiaca.
- E peleou solito?

- Te acalma tchê, te acalma que eu não acabei.

Nesse momento percebeu os índios parados ao seu lado, esperando a espora do peão tocar no gateado pra sequência da campereada, e sentiu que ali não haviam inimigos. Embainhou a faca, e assim seguiu a marcha...
- E assim, por volta do meio-dia, seu cavalo voltou solito pras casa. O corpo, nunca mais foi visto. A família procura até hoje, para fins de enterrá-lo ao lado dos pais, no camposanto da Timbaúva. O fato é que desde então Tio Dão está de olho na nossa região. Dito pelo Vô Otero, e ele não é de mentir...